Depois de ser adorado em Betânia e traído no cenáculo durante a celebração da última Páscoa, Jesus segue sua jornada em direção ao calvário, sendo ele agora abandonado no jardim por seus discípulos.
Algo tremendo a respeito de Jesus é que não havia nada para o qual não
estivesse preparado. A oposição, a incompreensão, a inimizade dos religiosos ortodoxos
de seus dias, a traição de um dos de seu próprio círculo íntimo, a dor e a
agonia da cruz: para tudo estava preparado.
Mas possivelmente o que mais lhe doeu foi o fracasso de seus amigos. Quando alguém se encontra em dificuldades é quando mais necessita de seus amigos, e precisamente nessas circunstâncias foi quando os amigos de Jesus o deixaram sozinho e o abandonaram. Não houve nada em toda a gama da dor física e a tortura mental pela qual Jesus não passasse.
1. O FRACASSO DOS DISCÍPULOS EM OBEDECER – v.27-31
No caminho para o jardim do Getsêmani ("prensa de azeite"),
Jesus advertiu os
discípulos de que todos o abandonariam, mas lhes garantiu que voltariam a se encontrar na Galiléia
depois da ressurreição e, para confirmar seu aviso, citou Zacarias 13 :7: "fere o pastor, e as ovelhas ficarão
dispersas".
Os discípulos não conseguiram assimilar essas
palavras em sua mente e coração, pois três dias mais tarde, não creram nos
relatos da ressurreição, e o anjo teve de lembrá-los de que deveriam se
encontrar com o Senhor na Galiléia (Mc 16:6,7). Se tivessem dado ouvidos e
crido nas palavras de Jesus, não teriam sofrido tanta ansiedade, e Pedro não teria
negado o Senhor.
A citação de Zacarias era uma instrução aos discípulos,
indicando o que deveriam fazer quando os judeus prendessem Jesus: dispersar!
Aliás, no momento em que estava sendo preso,
Jesus disse: "Deixai ir estes [discípulos]" Jo 18:8). Em
outras palavras, "Sumam daqui!"
É um certo equivoco atribuir a negação de Pedro por
"[seguir] de longe". Na verdade, ele não deveria sequer estar
seguindo Jesus! Se tivesse obedecido às palavras do Senhor, não teria atacado
um homem com sua espada nem negado o Senhor três vezes.
Pedro parecia ter dificuldade para colocar em
prática as ordens de Jesus. Os outros discípulos abandonariam o Mestre, mas ele
seria sempre fiel e, se necessário, seria preso e até morto com Jesus. É claro
que os outros discípulos repetiram essas palavras de jactância, pois Pedro não
era o único do grupo que confiava demais em si mesmo. No final, todos faltaram
com a palavra.
2. ALGUÉM PARA DIVIDIR O SOFRIMENTO – v.32-42
Ter permanecido no aposento alto teria sido
perigoso. Com as autoridades buscando-o e com Judas decidido a traí-lo, o
aposento alto poderia ser invadido em qualquer momento. Mas Jesus tinha outro
lugar aonde dirigir-se. O fato de que Judas soubesse buscá-lo no Getsêmani
indica que Jesus acostumava ir ali.
Quase todo mundo que está prestes a passar por
sofrimento intenso deseja ter alguém por perto para ajudá-lo a carregar esse fardo.
Em várias ocasiões ao longo de meu ministério pastoral, fiz companhia a pessoas
em hospitais, enquanto esperavam os médicos trazerem alguma notícia.
2.1. Jess necessitava de comunhão humana
Uma vez que era perfeitamente humano, ao se ver
diante do sofrimento da cruz, Jesus ansiou pela companhia de seus amigos e
chamou Pedro, Tiago e João - os mesmos três discípulos que o haviam acompanhado
à casa de Jairo (Mc 5:37) e ao monte da transfiguração (Mc 9:2). Essas três
experiências são paralelas a Filipenses 3:10: "para o conhecer [monte da transfiguração],
e o poder da sua ressurreição [casa de Jairo], e a comunhão dos seus sofrimentos
[jardim do Getsêmani]".
Os conflitos interiores de Jesus no jardim só podem
ser compreendidos à luz daquilo que estava para acontecer na
cruz: ele seria feito pecado por nós (2 Co 5:21) e tomaria sobre si a maldição
da Lei (GI 3: 13). O que mais o sobrepujou e encheu de
"pavor e angústia" não foi a perspectiva do sofrimento físico, mas a
consciência de que seria abandonado por seu Pai (Mc 15:34). Esse seria o
"cálice" do qual ele beberia (Jo 18:11). De acordo com Hebreus 5:7-9,
não pediu para ser poupado da morte, mas para ser liberto
da morte, ou seja, ressuscitado dentre os
mortos; e o Pai atendeu seu pedido.
2.2. Jesus necessitava de comunhão com Deus
Abba é um termo aramaico que significa "papai".
Revela o relacionamento íntimo entre o Senhor e seu Pai. Apesar de os cristãos de
hoje não terem o costume de usar esse termo em público, ele faz parte de nosso vocabulário,
pois pertencemos ao Pai (Rm 8:15; GI 4:6). Convém observar que Jesus não disse
ao Pai o que fazer, pois confiava inteiramente na vontade de Deus. Orou três vezes
sobre a questão e, em todas essas ocasiões, se sujeitou à vontade do Pai, entregando-se a ele em amor.
O que os três discípulos faziam enquanto Jesus
orava? Dormiam! Pedro - que havia prometido morrer com o Senhor - não foi capaz
sequer de vigiar com ele! Jesus os repreendeu com brandura e advertiu: "Vigiai
e orai" - admoestação repetida com frequência nas Escrituras (Ne 4:9; Mc 13:33; Ef 6:18; CI 4:2). Significa:
"Permaneçam alertas enquanto oram! Tenham os olhos espirituais sempre bem
abertos, pois o inimigo está por perto!"
Na terceira vez que Jesus voltou e encontrou os
homens dormindo, disse-lhes: "Ainda dormis e repousais! Basta! Chegou a
hora" (Mc 14:41). Havia chegado a hora de seu sacrifício, a hora de
morrer pelos pecados do mundo. Naquele momento, Judas e os guardas do templo
chegaram para prender Jesus, e Judas beijou seu Mestre repetidamente para
mostrar aos guardas quem deveria ser preso. Quanta hipocrisia!
3. JESUS FICA SOZINHO COM O PAI –
v.43-52
O fato de Judas levar
consigo uma turba -
grupo tão grande de homens armados -indica que nem ele nem os líderes
religiosos entendiam Jesus. Pensavam que Jesus tentaria escapar, ou que seus
seguidores resistiriam, ou, talvez, que Jesus faria um milagre. As palavras de
Jesus em Marcos 14:49 provam que ele estava no controle, pois os líderes
poderiam ter mandado prendê-Io em várias ocasiões anteriores, mas ainda não era
chegada sua hora.
Pedro agiu
de modo insensato ao atacar Malco (Jo 18:10), pois não lutamos as batalhas espirituais
com armas físicas (2 Co 10:35). Pedro usou a arma errada na hora erra, com o
propósito errado e pelo motivo errado. Se Jesus não tivesse curado Malco, Pedro
também teria sido preso e, talvez, haveria quatro cruzes no Calvário em vez de
três.
Foi a essa altura dos acontecimentos que os discípulos
abandonaram Jesus e fugiram. Um jovem que
estava no jardim e viu Jesus ser preso também fugiu. Esse jovem seria João
Marcos? Não sabemos, mas, uma vez que o Evangelho de Marcos é o único dos quatro
Evangelhos que registra esse acontecimento, é possível que o evangelista tenha escrito
sobre si mesmo.
Se o cenáculo ficava na casa de João Marcos, pode ser que Judas tenha
levado os soldados até lá primeiro. Talvez João Marcos tenha vestido sua túnica
apressadamente e seguido a multidão até o jardim. É possível que os soldados
tenham tentado prendê-Io também, de modo que fugiu.
Os discípulos se dispersaram, e o Servo se viu sozinho: "contudo,
não estou só, porque o Pai está comigo" (Jo 16:32). Logo, o Pai também
o abandonaria!
Aplicações:
1. Devemos ter cuidado com o excesso de segurança. Não devemos esquecer:
1. Das armadilhas da vida; 2. Todos podem escorregar e cair; 3. Somos fracos e que
as tentações do diabo são fortes.
2. Devemos ter o coração bem firme. Melhor ser um Pedro inflamado
de amor (embora falhasse), que um Judas com um coração frio de ódio. O amor de Pedro
falhou, mas voltou a renascer.
3. Muitas vezes não entenderemos, mas sempre estaremos seguros de que
"A mão do Pai nunca ocasionará a seu filho uma lágrima
desnecessária". Jesus sabia disso.
4. É Jesus, não os homens quem dirige as coisas. A prisão no jardim fazia
parte da vontade de Deus. Fazer a vontade de Deus sempre traz paz!
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