Por uma questão didática, finalizamos semana passada o conteúdo que tratava do “Sofrimento do Servo” (Mc 14:1-15:20); agora iniciamos a última parte do Evangelho, que trata do “Servo consumando sua obra” (Mc 15:21-16:20).
"Eu te glorifiquei na terra", disse Jesus a seu Pai, "consumando a obra que me confiaste para fazer" (Jo 17:4). Seria maravilhoso se todos nós pudéssemos fazer um relatório como esse no final de nossa jornada nesta vida. Saber que concluímos a obra que Deus nos confiou e que glorificamos seu nome certamente nos levaria a olhar para trás com gratidão e a olhar para frente com ânimo e esperança.
Os quatro acontecimentos (morte, sepultamento,
ressurreição, manifestação) descritos na última seção de Marcos constituem o
ponto culminante do relato e a base histórica para a mensagem do evangelho (1
Co 15:1-8).
Esta seção de Marcos refere-se a três horas específicas:
a terceira (Mc 15:25), a sexta (Mc 15:33) e a nona (Mc 15:33, 34). Os judeus
calculavam as horas das seis da manhã às seis da tarde; assim, a hora terceira corresponde
às nove da manhã, a hora sexta ao meio-dia, e a hora nona às três da tarde.
1. A HORA TERCEIRA - v.21-32
De acordo com a lei, o condenado deveria carregar sua
própria cruz, ou pelo menos a viga principal, até o local da execução, e Jesus
não foi exceção. Saiu do pretório de Pilatos levando sua cruz (Jo 19:16,17),
mas não conseguiu prosseguir, de modo que os soldados ordenaram a Simão cireneu
que carregasse a cruz para ele. Os oficiais romanos podiam recrutar homens para
lhes prestar serviços.
Quando pensamos em tudo o que Jesus havia sofrido
desde sua prisão, não é de surpreender que suas forças tenham lhe faltado. Por
certo, poderia ter chamado "dez mil anjos" e, no entanto, suportou de
bom grado o sofrimento em nosso lugar.
No entanto, havia um propósito mais elevado por trás
desse ato: o condenado carregava a cruz, pois havia sido declarado culpado, mas
Jesus não tinha culpa alguma. Nós somos os culpados, e Jesus carregou a
cruz por nós. Simão Pedro gabou-se de que seguiria Jesus até a prisão e mesmo
até a morte (Lc 22:33), mas foi Simão cireneu, não Simão Pedro, quem socorreu o
Mestre.
Simão foi a Jerusalém celebrar a Páscoa (At 2:10; 6:9)
e acabou se encontrando com o Cordeiro Pascal! Temos bons motivos para concluir
que Simão creu no Salvador e, ao voltar para casa, levou seus dois filhos ao
Senhor. Sem dúvida, vários dos leitores romanos do Evangelho de Marcos
conheciam Alexandre e Rufo (Rm 16:13), e talvez até conhecessem Simão.
Gólgota é um termo hebraico que significa "caveira", mas o texto
bíblico não explica por que o lugar tinha esse nome, e nem a localização exta
se pode verificar. Sabemos, sim, que ele foi crucificado fora dos muros da cidade,
num lugar de rejeição (Hb 13:12, 13), e que morreu pelos pecados do mundo.
Costumava-se dar aos condenados uma mistura de
substâncias narcóticas que ajudavam a amortecer a dor (Pv 31:6), mas Jesus a
recusou. Desejava estar plenamente de posse de suas faculdades mentais ao fazer
a vontade do Pai e consumar a obra de redenção. Experimentaria todo o
sofrimento por amor a nós e não tomaria qualquer atalho. Recusou o cálice de
compaixão para beber do cálice de iniquidade (Mt 26:36-43). Que exemplo
extraordinário para nós ao fazer a vontade de Deus e participar da
"comunhão dos seus sofrimentos" (Fp 3:10)!
Os autores dos Evangelhos não descrevem a crucificação.
O objetivo dos evangelistas não é suscitar nossa pena, mas sim inspirar nossa
fé. É provável que muitos dos leitores desses relatos tivessem testemunhado crucificações,
não havendo, portanto, a necessidade de entrar em detalhes.
Basta dizer que a crucificação é uma das formas
mais horríveis de execução já criadas pelo homem. Para uma descrição de algumas
das agonias que Jesus sofreu pendurado no madeiro, ver o Salmo 22.
O condenado costumava usar uma placa em que era
declarado o crime que havia cometido. Pilatos escreveu a placa que Jesus usou e
que depois foi pendurada acima dele na cruz: "Este é Jesus de Nazaré, o
rei dos Judeus". Os líderes judeus protestaram, mas, dessa vez,
Pilatos manteve-se firme em sua posição (Jo 19:19-22).
É possível que esses dizeres tenham acendido uma
chama de esperança no ladrão arrependido (Lc 23:39-43). Talvez tenha pensado:
"Se seu nome é Jesus, ele é Salvador. Se ele é de Nazaré, identifica-se
com os rejeitados (Jo 1:46). Se tem um reino, talvez também tenha lugar para
mim!"
Os soldados, na execução, são instrumentos de
cumprimento das profecias ao lançar sortes pelas vestes de Jesus (Sl 22:18). O
fato de o Filho inocente de Deus ser colocado entre dois pecadores culpados
também era o cumprimento de uma palavra profética (Is 53:12; e ver Lc 23:37). O
termo usado para "ladrões" nessa passagem é traduzido por salteador
em João 8:40 com referência a Barrabás, de modo que talvez esses dois
homens fizessem parte de seu bando de rebeldes.
É incrível observar como o ódio que os líderes
religiosos tinham por Jesus era tão grande que foram até o Gólgota para zombar dele.
Os transeuntes ociosos não hesitaram em seguir o mau exemplo de seus líderes,
de modo que, além de todos os outros sofrimentos, Jesus teve de suportar também
a zombaria dos espectadores.
Escarneceram dele como Profeta (Mc 15:29), como
Salvador (Mc 15:31) e como Rei (Mc 15:32). É possível que o comentário sarcástico
- "Salvou a outros" tenha incentivado o ladrão a crer no Senhor, levando-o
a pensar: “Se ele salvou a outros, talvez possa me salvar!" Assim, Deus
usa até mesmo a ira humana para louvá-lo (Sl 76:10).
2. A HORA SEXTA - v.33
Foi ao meio-dia que uma escuridão miraculosa cobriu
a terra, e toda a criação compadeceu-se do Criador em seu sofrimento. Não se
tratou de um fenômeno natural, como uma tempestade de areia ou um eclipse, mas
sim de um verdadeiro milagre. Não seria possível ter um eclipse durante a lua
cheia na Páscoa. Deus estava usando a escuridão para dizer algo ao povo.
Os judeus, sem dúvida, lembraram-se da primeira
Páscoa. A nona praga no Egito foi uma escuridão total que durou três dias,
seguida da última praga, a morte dos primogênitos (Êx 10:22 -11 :9). A
escuridão no Calvário anunciou que o Filho Primogênito e Amado, o Cordeiro de
Deus, entregava sua vida pelos pecados do mundo. Também anunciou que o
julgamento estava a caminho e que o povo deveria preparar-se.
Jesus fez sete declarações na cruz, Marcos registra
três delas antes de sobrevir a escuridão: "Pai perdoa-lhes, porque não
sabem o que fazem!" (Lc 23:34); "Em verdade te digo que hoje estarás
comigo no paraíso" (Lc 23:43); e "Mulher, eis aí teu filho [...J Eis
aí tua mãe" (Jo 19:26, 27).
Quando desceram as trevas, houve silêncio na cruz,
pois nesse momento Cristo foi feito pecado por nós (2 Co 5:21).
3. A HORA NONA - v.34-41
Na hora nona, Jesus expressou a agonia de sua alma
ao clamar da cruz: "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?"
(ver Sl 22:1). A escuridão simbolizou o julgamento que experimentou ao ser
abandonado pelo Pai. Como de costume, as pessoas não entenderam suas palavras e
pensaram que estava clamando por Elias, o profeta. As trevas cobriram não
apenas a terra, mas também a mente e o coração do povo (2 Co 4:3-6; Jo 3:16-21;
12:35-41).
Então Jesus disse: "Tenho sede" (Jo 19:28),
e o ato bondoso de um soldado ao lhe dar um pouco de vinagre para beber (ver SI
69:21) ajudou Jesus a fazer mais duas declarações maravilhosas: "Está
consumado!" (Jo 19:30) e "Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito"
(Lc 23:46; e ver Sl 31 :5). Jesus não foi assassinado; entregou a vida
espontaneamente por nós (Jo 10:11, 15, 17, 18). Não foi um mártir, mas sim um
sacrifício voluntário pelos pecados do mundo.
Sua morte foi acompanhada de dois acontecimentos
extraordinários: um terremoto (Mt 27:51) e o véu do templo rasgando-se em duas
partes. Até então, o véu havia separado os homens de Deus, mas, por sua morte,
Jesus abriu um "novo e vivo caminho" (Hb 10: 12-22; ver também Jo
14:6) para toda a humanidade. Quando a Lei foi entregue no Sinai, também houve
um terremoto (Êx 19: 16-18). No Calvário, porém, a Lei se cumpriu em Jesus
Cristo, e a maldição foi removida (Rm 10:4; GI 3:10-14). Por meio de seu sacrifício,
Jesus comprou a liberdade não apenas da Lei, mas de todo o sistema sacrificial.
É comovente ler o testemunho do centurião romano,
especialmente quando levamos em consideração que suas palavras poderiam tê-lo
colocado em apuros tanto com os judeus quanto com os romanos. A filiação divina
de Jesus Cristo é um dos temas centrais do Evangelho de Marcos (1: 1, 11; 3:11;
5:7; 9:7; 14:61,62). Diante disso, é ainda mais maravilhoso que tenha vindo ao
mundo como Servo (Fp 2: 1-11).
Também é comovente o fato de as mulheres terem
permanecido perto da cruz até o final. João havia passado algum tempo ali, mas
havia levado Maria, a mãe de Jesus, para sua casa a fim de cuidar dela (Jo
19:25-27).
Essas mulheres fiéis foram as últimas a deixar o
Calvário na sexta-feira e as primeiras a visitar o túmulo no domingo. Que
contraste com os discípulos que se gabaram de que morreriam por seu Mestre! A
Igreja de Jesus Cristo deve muita coisa ao sacrifício e devoção de mulheres de
fé.
Aplicações:
1. Simão vai celebrar a Páscoa e se encontra com o cordeiro de Deus. Ele anda
alguns metros carregando a cruz, o suficiente para mudar sua vida e de sua
família. Ele cumpre a palavra de Mc 8.34. Não existe evangelho sem cruz.
2. Na última hora, dois homens puderam se arrepender e ser salvo. Um
deles aproveitou, o outro não. É arriscado deixar para a última hora decidir
confiar em Jesus. Não resista, entregue-se hoje a Jesus.
3. Quando olhamos à cruz, Jesus nos diz: "Assim vos ama Deus, com
um amor ilimitado, um amor que suportará por vós qualquer sofrimento que a
Terra tenha para oferecer." Não rejeite este amor, receba!
4. O véu no templo se rasgou, o caminho de volta a Deus ficava agora
aberto completamente para todos que se achegarem a Deus por meio de Cristo. Não
precisamos mais de intermediários.
5. Na cena da crucificação estiveram o Simão, os soldados, o centurião,
os dois ladrões, os transeuntes, líderes religiosos, as mulheres, alguns
discípulos. Estes representam toda a humanidade, representam a nós. Como
reagiremos diante do Cristo crucificado?
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