Ao longo de seu Evangelho, a ênfase de Marcos
é, principalmente, sobre o que Jesus fez. No entanto, nesta seção de nosso estudo,
há alguns relatos de ensinamentos importantes do Senhor.
Marcos também descreve o ministério
entre os gentios, assunto que certamente seria do interesse de seus leitores
romanos. Vemos nesta seção três ministérios de Jesus, o Servo e Mestre:
1. O Ensino aos Judeus (Mc
7:1-23)
2. A Ajuda aos Gentios (Mc 7:24 - 8:9)
a.
A expulsão de um demônio (7.24-30).
b.
A cura de um homem surdo (7. 31-37).
c.
A alimentação dos quatro mil (8. 1-9).
3. A Advertência aos Discípulos (Mc 8:10-26)
O Ensino aos Judeus Tradição Vazia
de Deus (Mc 7:1-23). Este episódio pode
ser divido em quatro estágios.
1. O
primeiro é a ACUSAÇÃO (Mc 7:1-5).
Os líderes
religiosos haviam assumido
uma postura explicitamente hostil quanto a Jesus e seu ministério. Seguiam-no
de um lugar para outro com o propósito de procurar algo para criticar. Nesse
caso, acusaram os discípulos de não realizar as cerimônias judaicas de
purificação com água. Essa purificação não tinha relação alguma com a higiene
pessoal nem era exigida pela Lei. Antes, fazia parte da tradição que os
escribas e fariseus haviam dado ao povo, tornando seu fardo mais pesado (Mt
23:4).
Jesus já havia transgredido as tradições
do shabbath (Mc 2:23-3:5), de modo que os judeus estavam ansiosos por
acusá-lo, quando viram os discípulos comer "com as mãos impuras",
aproveitaram a oportunidade.
Por que um assunto tão trivial exasperou
de tal maneira esses líderes religiosos? Por que se sentiram obrigados a defender
suas cerimônias de purificação com água?
Em primeiro
lugar, os líderes se ressentiram quando Jesus
desafiou abertamente sua autoridade. Afinal, essas práticas lhes haviam sido
transmitidas por seus antepassados e Jesus estava desafiando sua autoridade. Os
judeus chamavam a tradição de "a cerca da lei". Não era a lei que
protegia a tradição, mas sim a tradição que protegia a Lei!
Porém, havia algo
ainda mais importante em jogo. Sempre
que os judeus praticavam essas purificações declaravam que eram
"especiais" e que as outras pessoas eram "imundas"! Se um
judeu fosse ao mercado comprar comida, poderia ser "contaminado" por
um gentio ou (Deus me livre!) por um samaritano. Essa tradição havia começado
séculos antes para lembrar os judeus, o povo escolhido de Deus, que deveriam
manter-se separados. Porém, uma forma saudável de lembrar havia gradualmente
degenerado e se transformado num ritual vazio, resultando em orgulho e
isolamento religioso.
Essas purificações não apenas indicavam uma
atitude equivocada com respeito às pessoas, mas também transmitiam uma ideia errada
da natureza do pecado e da santidade pessoal. No Sermão do Monte, Jesus deixou
claro que a verdadeira santidade é uma questão de sentimentos e de atitudes interiores,
não apenas ações e associações exteriores. Os fariseus julgavam-se santos porque
obedeciam à Lei e evitavam a contaminação exterior. Jesus ensinou que uma pessoa
que obedece à Lei exteriormente pode, ainda assim, transgredi-la em seu
coração, e essa "contaminação" exterior não tem praticamente qualquer
relação com a condição do ser interior.
Assim, o conflito não era apenas entre a
verdade de Deus e a tradição humana, mas também entre dois pontos de vista
divergentes sobre o pecado e a santidade. Esse confronto não foi uma discussão
trivial, pois tocou o cerne da fé religiosa.
2. O próximo
estágio pode ser chamado de CONDENAÇÃO (Mc 7:6-13).
Uma vez que Jesus defendeu seus
discípulos e expôs a
hipocrisia de seus acusadores.
Primeiro, citou o profeta Isaías (Is 29:13) e, em seguida, falou da Lei de
Moisés [Êx 20:12; 21 :17; Lv 20:9). Como poderiam os fariseus argumentar contra
a Lei e os Profetas?
Ao defender suas tradições, os fariseus desgastavam
tanto seu caráter quanto o da Palavra de Deus. Eram hipócritas,
"atores" cuja adoração religiosa era praticada em vão. A verdadeira
adoração deve nascer do coração e ser dirigida pela verdade de Deus, não pelos conceitos
pessoais de cada um. Como é triste quando os religiosos praticam rituais na
ignorância e apenas deterioram o próprio caráter ao fazê-lo!
No caso dos fariseus, porém, não estavam
apenas destruindo o próprio caráter, mas também a influência e autoridade da
Palavra de Deus que afirmavam defender. É interessante observar a sequência
trágica:
a.
ensinavam suas doutrinas como se fossem a Palavra de
Deus (Mc 7:7);
b.
deixavam de lado a Palavra de Deus (Mc 7:8);
c.
rejeitavam a Palavra de Deus (Mc 7:9); e finalmente,
d.
retiravam o poder da Palavra de Deus (Mc 7:13).
Quem reverencia tradições humanas acima
da Palavra de Deus acaba perdendo o poder dessa Palavra em sua vida. Por mais
devoto que pareça ser, seu coração está longe de Deus.
Depois de expor a hipocrisia dos
fariseus, Jesus voltou-se para a Lei de Moisés e acusou os líderes de quebrar o
quinto mandamento. Tinham extraordinária habilidade de transgredir a Lei sem
sentir culpa. Em vez de usar o dinheiro para ajudar os pais, os fariseus dedicavam
seus bens a Deus ("Corbã" = "uma oferta, um presente"; ver
Nm 30) e afirmavam que seus bens só poderiam ser usados para "fins
espirituais". No entanto, continuavam beneficiando-se dessa riqueza, apesar
de, tecnicamente, ela pertencer a Deus. Diziam que amavam a Deus, mas não tinham
amor algum pelos pais!
3. O
terceiro estágio é a DECLARAÇÃO (Mc7: 14-16).
Jesus
anunciou à multidão que a vida de
santidade vem do interior, não do exterior. Na verdade, com isso declarava que todo
o sistema mosaico de alimentos "limpos e imundos" era nulo e vazio;
nesse momento, porém, não explicou essa verdade radical à multidão. Mais tarde,
esclareceu isso aos discípulos.
Não há dúvida de que os inimigos
entenderam essa declaração. Sabiam que Jesus derrubara um dos "muros"
que separavam os judeus dos gentios. Claro que a Lei propriamente dita só foi
colocada de lado depois que Jesus morreu na cruz (Ef 2:14, 15; CI 2:14), mas o
princípio que Jesus anunciou sempre havia sido válido.
Em todos os períodos da história, a
verdadeira santidade sempre foi uma questão do coração, de um relacionamento
correto com Deus pela fé. A cerimônia de purificação era uma questão de
obediência exterior à Lei, que demonstrava essa fé (SI 51 :6, 10, 16, 17). Moisés
deixou claro em Deuteronômio que Deus desejava que o amor e a obediência viessem
do coração, não que fossem apenas uma obediência exterior a regras (ver Dt 6:4,
5; 10:12; 30:6, 20).
4. A EXPLICAÇÃO
de Jesus (Mc 7:17-23)
Foi dada em
particular aos discípulos,
quando o "interrogaram acerca da parábola". Para nós, seu
esclarecimento é um tanto óbvio, mas devemos lembrar que os apóstolos haviam
sido educados de acordo com regras alimentares extremamente rígidas, que categorizavam
todo alimento como "limpo" ou "imundo" (Lv 11). Atos 10:14
dá a entender que Pedro manteve a dieta kosher por vários anos, mesmo
depois de ter ouvido essa verdade. Não é fácil mudar as tradições religiosas.
O coração humano é pecaminoso e dá origem
a desejos, pensamentos e atos perversos de toda espécie, desde o assassinato até
a cobiça ("um olhar maldoso"). Jesus sabia que o homem é pecador,
incapaz de controlar ou de mudar a própria natureza. foi por isso que veio ao mundo:
para morrer pelos pecadores perdidos.
As leis alimentares judaicas foram dadas
por Deus para ensinar o povo eleito a distinguir entre o que era limpo e o que
era imundo. A desobediência a essas leis causava impureza cerimonial, ou seja,
exterior. A comida termina no estômago, mas o pecado começa no
coração. A comida é digerida, e os resíduos não aproveitados são eliminados, mas
o pecado permanece e produz corrupção e morte.
Aplicações.
1.
O cristão pratica uma religião espiritual, não meramente
formal ou ritual. A verdadeira adoração é em “espírito e em verdade”;
2.
O que contamina o homem é devido ao mal que sai do
coração, não da comida que ele come;
3.
É mais fácil mostrar uma religiosidade exterior
através de usos e costumes, do que uma vida espiritual que olha a condição do
coração;
4.
Na medida que alguém se preocupa com as coisas
materiais, deixa de apreciar os valores espirituais;
5.
Os religiosos vazios são bons em condenar e criticar
os outros apontando falhas e pecados, sem olhar para si e para seus pecados.
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