26 de jun. de 2018

Tiatira. Uma Igreja Tolerante



APOCALIPSE 2.18-29
tiatira: o perigo do compromisso COM O mundo

INTRODUÇÃO

Tiatira era a menos importante das sete cidades e estava localizada em vale muito extenso. A importância de Tiatira era sua posição geográfica.
(1) Tiatira estava no caminho que unia várias cidades da região. Era o caminho por onde viajava o correio imperial; por esse caminho se transportava todo o intercâmbio comercial entre a Europa e Ásia. Portanto, e acima de tudo, Tiatira era uma cidade comercial importante.
(2) Do ponto de vista estratégico Tiatira fechava o acesso a Pérgamo - a capital da província - era, portanto, uma cidade de fronteira, uma guarnição fortificada, onde servia uma companhia de soldados que protegiam a Pérgamo. Tiatira não podia suportar um sítio prolongado, apenas atrasaria o avanço dos inimigos e daria tempo a Pérgamo para preparar suas defesas.
(3) Tiatira não era centro da adoração de César nem havia nela templos gregos. Seu deus local era o herói militar Tirimno. A única coisa fora do comum, era que nela funcionava um santuário de adivinhação (oráculo), presidido por uma sacerdotisa conhecida como Sambate. A Igreja de Tiatira não enfrentava um perigo especial de perseguições.

(4) O que ameaça em Tiatira? Ela é a cidade com relação à qual sabemos menos coisas, sendo muito difícil reconstruir a situação. A única coisa que sabemos positivamente era que funcionava como um importante centro comercial. Era o centro da indústria do tingido e do comércio de tecidos de lã. Lídia, a vendedora de púrpura, provinha de Tiatira (Atos 16:14).
Sabemos, que Tiatira era a sede de várias cooperativas de comércio importantes. Lá havia cooperativas de operários da lã, do couro, do linho e do bronze, de modistas, de tintureiros, de oleiros, de padeiros e de traficantes de escravos. Esse era o problema da Igreja em Tiatira. Negar-se a integrar uma dessas cooperativas era como negar-se a integrar o sindicato do ofício em que a pessoa trabalha. Significaria, perder toda esperança de prosperar no comércio ou na indústria.
Que razões podia ter um cristão para negar-se a fazer parte da cooperativa que correspondia a seu ofício? Havia duas características: Em primeiro lugar celebravam periodicamente banquetes nos templos pagãos. Mesmo se fossem feitos numa casa particular, iniciavam-se e concluíam com algum tipo de ato religioso formal, e a carne que se consumia neles era sempre carne que tinha sido sacrificada aos ídolos. Podia um cristão participar de uma comida com estas características? Em segundo lugar, estes banquetes eram ocasião para atos licenciosos e bebedeiras. Podia um cristão estar presente em celebrações sociais deste tipo?
Este era o problema de Tiatira. Não havia ameaça de perseguição; o perigo estava dentro da Igreja. Na Igreja havia cristãos que se perguntavam por que um crente não podia pertencer à cooperativa de seu ofício, e por que devia sacrificar seus interesses comerciais ao negar-se a fazer parte do sindicato que lhe correspondia.
Em outras palavras, havia um movimento, presidido por uma mulher que no Apocalipse se chama Jezabel, que defendia os compromissos com o mundo e com as normas de moralidade mundanas, a fim de não arriscar o êxito dos negócios e a prosperidade material. A resposta do Cristo ressuscitado é inequívoca: O cristão não pode ter nada a ver com tais coisas.
O problema de Igreja em Tiatira era um problema universal e atual: Pode o cristão comprometer-se com o mundo, e se puder, até que ponto deve fazê-lo?

1. TIATIRA – O ESTADO DA IGREJA
Das sete cartas, esta é a mais enigmática, possuímos muito pouca informação sobre o pano de fundo da Igreja que havia nessa cidade. Deparamo-nos com quatro perguntas. 1. Qual era, em realidade, a situação da Igreja nessa cidade? 2. Quem era essa mulher, Jezabel, aparentemente o centro do problema? 3. Quais eram em realidade seus ensinos? 4. O que significam as promessas que a Igreja recebe em Tiatira?
A carta começa com uma descrição do Cristo ressuscitado que contém uma ameaça. Seus olhos como labaredas de fogo e seus pés como bronze polido. Os olhos chamejantes significam pelo menos duas coisas: em primeiro lugar, a ira acesa do Cristo ressuscitado em face do pecado; em segundo lugar, a tremenda e arrepiante penetração desse olhar que nos descobre de todo disfarce e entra até revelar nossos segredos mais íntimos. Quanto aos pés de bronze, significam sem dúvida o poder total do Cristo que esteve morto e agora vive. Esta mensagem sem dúvida não terá nada de tranquilizador e consolador.
Mas a carta continua em termos de elevadíssimo louvor. A Igreja é felicitada por seu amor, lealdade no serviço e fiel paciência. O serviço é um resultado do amor, a paciência é o produto da lealdade. Há algumas coisas, pelo menos, nas quais a Igreja melhorou desde os dias de seus começos.
Depois temos a condenação dessa mulher Jezabel - tinha uma grande influência - de suas atitudes e de seus ensinos.
A conclusão necessária pareceria ser a seguinte: Na superfície, a Igreja em Tiatira parecia forte e florescente. Qualquer estranho que a visitasse ficaria impressionado por sua vitalidade e energia, por sua aparente liberalidade e por sua paciência. Entretanto, havia algo essencial que lhe faltava: em seu coração mesmo havia uma fissura.
Aqui temos uma advertência. Uma Igreja cheia de gente não é necessariamente uma verdadeira Igreja. É muito fácil encher de gente uma Igreja quando os fiéis vêm para ser entretidos e não para ser instruídos, para ser tranquilizados e justificados em vez de ser desafiados, confrontados com seus pecados e com a oferta da salvação. Uma Igreja pode ser ativa, não descansar em suas múltiplas atividades, mas pode ter perdido o centro de sua vida. Em vez de ser uma congregação cristã conseguiu converter-se num clube bem-sucedido.


2. TIATIRA – A FONTE DO ERRO
O problema de Tiatira girava em torno de uma mulher a quem na carta chama-se Jezabel. Quem era esta mulher?
(1) A expressão “essa mulher, Jezabel”, pode ser traduzido por "sua mulher Jezabel". Nas cartas, o anjo de cada Igreja podia ser a pessoa que a presidia. Se carta está dirigida ao bispo da Igreja, esta possível tradução significaria que a causa de todo o problema era a esposa do líder. Mas, por diversas razões, é melhor rejeitar esta interpretação.
(2) Uma das distinções de Tiatira era ter uma mulher que adivinhava o futuro, cujo título era Sambate. Os gregos utilizavam muito este tipo de adivinhação. Há alguns que creem que Jezabel era a Sambate, e que sua influência sobre a Igreja dessa cidade chegou a ser muito perigosa. O problema desta interpretação é o fato de Jezabel ser membro da Igreja.
(3) Há alguns que, sem fundamento algum, identificaram a Jezabel com Lídia, a vendedora de púrpura de Tiatira. Para estes, Lídia deve ter voltado a Tiatira, tornando-se ali numa influência dominadora e corruptora. Mas isso não é mais que uma calúnia com relação a Lídia.
(4) A única conclusão razoável é dizer que não temos ideia de quem pode ser esta mulher Jezabel, ainda que possamos descrever a classe de pessoa que era.
Não é surpreendente que pretendesse ser profetisa. Esse sendo um apelido, seu caráter se refere a Jezabel, filha de Etbaal, rei de Sidom, e a esposa de Acabe (I Reis 16:31). Há poucas mulheres que tenham adquirido uma reputação de perversidade tão notória como Ela.
Quando veio de Sidom trouxe consigo seus deuses, e fez com que Acabe e seu povo adorassem a Baal. Ela não queria eliminar o culto ao Senhor. Mas os profetas de Jeová teriam que aceitar que, além de seu Deus, se adorasse o deus de Sidom. Mandou matar os profetas do Senhor, então, por seu exclusivismo, e sustentava, em sua própria mesa, a quatrocentos e cinqüenta profetas de Baal (I Reis 18:13,19). Era o gênio maligno de Acabe; em particular foi a responsável pelo assassinato do Nabote, o dono da vinha cuja propriedade Acabe cobiçava (I Reis 21). Seu nome chegou a ser sinônimo de "prostituição e bruxaria" (2 Reis 9:22). Era uma mulher notoriamente imoral, que seduziu a Acabe e a Israel para que se separassem do culto do verdadeiro Deus.
Tudo isto deve significar que a Jezabel de Tiatira era uma mulher má e corruptora que exercia sua influência para apartar a Igreja de sua pureza de vida e a adoração do verdadeiro Deus. Seu propósito não era destruir a Igreja, mas sim introduzir nela novas práticas que, a longo prazo, terminariam em destruí-la. Jezabel deve ter sido uma dessas pessoas que querem modificar o cristianismo para que se adapte a sua própria modalidade e que se creem capazes de melhorar os ensinos de Jesus Cristo.

3. TIATIRA – OS ENSINOS DE JEZABEL
Acusa-se a esta mulher, Jezabel, de ensinar duas coisas: Que os cristãos podiam cometer fornicações e que podiam comer carne que tinha sido oferecida aos ídolos.
Um dos grandes problemas da Igreja naquela época era a carne que tinha sido oferecida aos ídolos. Quando alguém oferecia um sacrifício num templo grego, somente uma parte muito pequena da carne era queimada no altar. Os sacerdotes recebiam uma parte da carne, como sua remuneração, e o ofertante levava o resto. Com a carne que recebia o ofertante podia fazer duas coisas: a) Celebrar uma festa dentro do recinto do templo, a qual convidava a seus amigos. A maioria das festas e banquetes celebravam-se nos templos. b)Se não queria celebrar um banquete no templo, podia levar a carne para sua casa e usá-la ali para seu próprio consumo, ou para algum festejo familiar.
Este era o problema dos cristãos: Podia um crente em Jesus Cristo assistir a um banquete num templo pagão ou participar de uma comida cuja carne tinha sido sacrificada em honra de algum ídolo? Paulo se ocupa deste problema em 1 Coríntios capítulos 8 a 10.
O problema se complicava pois até no açougue era muito provável que a carne tivesse sido previamente oferecida a algum deus pagão. Os sacerdotes pagãos não comiam toda a carne dos sacrifícios, então o restante o vendiam aos açougueiros. O que podia fazer o cristão em tal caso? Esta era uma realidade que tinham que enfrentar todos os dias de sua vida.
A Igreja não tinha dúvida com relação a qual era o dever do cristão verdadeiro. A abstenção de tudo que tivesse sido consagrada a um ídolo (Atos 15:29). A Igreja sabia que os cristãos não deviam nem sequer tocar em coisas que tinham sido contaminadas desse modo.
Esta proibição com relação à carne oferecida aos ídolos, na prática, fazia com que o cristão ficasse cortado de toda participação na vida social dos não crentes, pois não havia nenhuma festa ou banquete em que pudesse participar.
Este é o cenário do problema em Tiatira. Todos os ofícios e profissões estavam organizados em cooperativas que celebravam reuniões sociais com banquetes, cerimônias religiosas que se celebravam em templos pagãos. A posição oficial da Igreja era que o cristão não podia assistir a tais celebrações. Isto significava muito mais que perder uma oportunidade de divertir-se. Para um comerciante equivalia ao suicídio comercial. Não somente lhe era difícil, mas provavelmente impossível continuar nos negócios ou no exercício de sua profissão.
Aqui, então, é onde Jezabel exerce sua influência. Seu ensino era que os crentes em Jesus Cristo não têm necessidade de afastar-se deste modo da vida social; que não havia razõespara que se abstivessem de participar nas atividades da cooperativa; não havia mal algum em aceitar os costumes e as modalidades do mundo. A Igreja devia acomodar-se ao mundo, chegar a um compromisso com o mundo. Para Jezabel se havia um conflito entre os interesses comerciais e as normas cristãs, devia-se priorizar os interesses comerciais. Jezabel era uma dessas pessoas que amam sua própria prosperidade e dinheiro mais que a Igreja.
A segunda parte do ensino de Jezabel não é tão clara. Diz-se que ensinava a cometer fornicação (v. 20); é exortada a arrepender-se de suas fornicações (v. 21); seus amantes e seus filhos são ameaçados junto com ela (vv. 22-23). A pergunta é a seguinte: Refere-se à imoralidade sexual ou à infidelidade espiritual a Deus?
(1) Não há dúvida que nas Escrituras a infidelidade a Deus se expressa em termos de fornicação e adultério. Israel é a esposa de Deus (Isaías 54:5; Jeremias 3:20); no Novo Testamento a Igreja é a esposa de Cristo (2 Cor. 11:1-2; Efésios 5:24-28). É a fornicação que inculcava o ensino de Jezabel infidelidade espiritual a Jesus Cristo? Significa a adoração de deuses pagãos, ou pelo menos alguma forma de compromisso com esse culto? Se este é o significado, "os que adulteram com ela" seriam os que flertam, por assim dizer, com essa classe de ensino, e seus filhos os que adotaram seu ensino e o seguem.
A tendência do paganismo era adquirir novos deuses. A religião pagã muito poucas vezes era exclusivista; quase nunca obrigava a adorar a um só deus. Todas as casas romanas tinham um pequeno templo familiar, onde se guardavam as imagens das lareiras, duas ou três divindades menores próprias da família.
É possível que o ensino de Jezabel fosse que não era necessário ser muito exclusivos na adoração de Cristo, e sobretudo, que não era necessário negar-se a dizer "César é o Senhor" e queimar um pingo de incenso em seu altar. Se os cristãos fossem menos fanáticos seria fácil ganhar alguns pagãos a mais para Cristo. Os cristãos não sustentam que Jesus Cristo é um dos salvadores, nem sequer o principal deles, mas sim é o único.
(2) Devemos entender, então, que Jezabel não ensinava a fornicação física, mas sim a fornicação espiritual que é a infidelidade a Jesus Cristo? Há uma coisa na carta que nos impede de aceitar plenamente este ponto de vista. Lemos que os seguidores de Jezabel pretendiam conhecer "as coisas profundas de Satanás" (versículo 24). O verdadeiro cristão conhece o que Paulo chama “as coisas profundas de Deus” (1 Coríntios 2:10, TB). Jezabel e seus seguidores conhecem, pelo contrário, as coisas profundas de Satanás. Mas esta interpretação não serve, assim que a carta diz: “como eles dizem, as coisas profundas de Satanás”.
Alguns sustentavam que era um dever experimentar todo tipo de pecado. Diziam que o homem que nunca tinha experimentado o prazer não tinha mérito algum quando se abstinha dele; a verdadeira conquista era viver até o excesso no pecado, sem permitir que o pecado ganhasse a alma. Os que conheciam as coisas profundas de Satanás eram os que se tinham se afundado no pecado. Jezabel talvez ensinasse que pecar era um dever para os cristãos.
O mais provável é que Jezabel ensinasse que o cristão deve acomodar-se ao mundo, que não devia rejeitar com rigidez as práticas mundanas. Ensinava que o cristão não tinha necessidade alguma de abster-se das práticas habituais nos círculos dirigentes da indústria e do comércio; que o cristão não tinha por que insistir em níveis superiores de ética e moralidade. Queria, em outras palavras, que os cristãos transigissem com o mundo. Ensinava à Igreja uma infidelidade espiritual que sem dúvida também resultaria em infidelidades físicas.

4. TIATIRA – PROMESSAS E AMEAÇAS
Jezabel tinha ultrapassado os limites da paciência divina. Se não se arrepender imediatamente será jogada em um leito de enfermidade, e seus amantes e seus filhos seguirão a mesma sorte. Isto demonstrará, a eles e a todos os outros, que o Cristo ressuscitado verdadeiramente "esquadrinha a mente e o coração".
Ao dizer que o Cristo ressuscitado esquadrinha "a mente e o coração" afirma-se que conhece os sentimentos e os pensamentos mais ocultos. Sem dúvida os que prosperavam em seus negócios por ter entrado em compromisso com o mundo eram muito generosos em suas ofertas. Os que assistiam aos banquetes de comerciantes e de artesãos deviam, ao mesmo tempo, contribuir com somas apreciáveis de dinheiro aos pedidos em favor dos pobres. Pareciam cristãos verdadeiros. Jezabel deve ter tido o aspecto de uma mulher piedosa e de bom caráter. Deve ter sido capaz de falar de uma maneira atrativa. Mas o Cristo ressuscitado pode ver mais além do disfarce exterior. Sabe se ficaram reservas frente a Deus, se a fé for autêntica e verdadeira entrega total ou não.
Então, aos que forrem verdadeiramente fiéis é feita uma dupla promessa.
(1) A primeira parte da promessa – “darei autoridade sobre as nações” - provém do Salmo 2:8-9. Na fé e no ensino do judaísmo este era um salmo messiânico, que descrevia o triunfo do Messias em seu Dia. Este salmo foi um dos textos inspiradores do movimento missionário para as Igrejas. Muitos missionários pediram a Deus que se cumprisse neles e em seu ministério a promessa “Pede-me, e eu te darei as nações por herança.”
(2) A segunda parte da promessa fala da estrela da manhã. Mas qual é seu significado? Ofereceram-se quatro interpretações prováveis.
(a) Foi interpretada como a promessa da primeira ressurreição. Do mesmo modo como a estrela da manhã aparece ao terminar a noite, o cristão seria o primeiro em ressuscitar depois da noite da morte.
(b) Foi interpretada como a derrota de Lúcifer. Lúcifer é o diabo; era um anjo que por seu orgulho se rebelou contra Deus e foi arrojado do céu (Isaías 14:12). O nome Lúcifer significa "aquele que traz a luz"; Lúcifer é o nome da estrela da manhã. Se fosse deste modo a promessa implicaria numa vitória total sobre Satanás e o pecado. Satanás não será capaz de mudar o verdadeiro cristão.
(c) Ligou-se esta passagem a Daniel 12:3. Se se aceitar esta interpretação a estrela da manhã seria a glória com que serão honrados os justos e os que capacitaram a outros para transitar pelos caminhos da justiça.
(d) Todas estas interpretações são muito belas, e provavelmente formem parte do significado da imagem. Mas podemos estar quase seguros que a interpretação correta é a seguinte: O próprio Apocalipse chama "estrela matutina" ao próprio Jesus Cristo (22:16). A promessa da estrela da manhã aos que forem fiéis não é nada menos que a promessa da possessão do próprio Cristo em pessoa. Se o cristão for fiel, quando sua vida sobre esta Terra termine, possuirá a Cristo, para não perdê-lo jamais.
(Adaptado de William Barclay)

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